terça-feira, 23 de março de 2021

 

INCÔMODA VISITA

 

O vírus me visitou.

Testou os meios receios

E a minha fé.

Prescrutou  minhas convicções.

Ombreou-me com meus iguais em medos e angústia.

Fez-me vir vibrações de todas as vontades e potências.

Descortinou diante de mim

A minha incapacidade de avaliar o mistério da existência humana.

Na medida em que me mostrou indiferenças, resistências e descréditos,

Na proporção mesma das incapacidades e descrenças alheias.

A vida é um mistério insondável

E a morte ainda não sabe que fim que dá aos que tiram das diversas cenas.

Que dizer então do universo

Esse infinito amálgama que se confunde com sua própria essência criadora?

O vírus me visitou.

E me fez sentir pena de mim e de toda essa humanidade

Quando volvi  os olhos pro que desorganizamos

Da natureza que nos foi presenteada.

E sei que essa pena será não apenas eternizada

Mas transformada numa crescente angústia

Que terá a dimensão crescente da nossa eterna capacidade destrutiva.

 

                                   (ANTONIO NETO- 23/03/2021)

 

 

                                    

 

 

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

RIACHUELO

 


Tuas ruas me foram para os pés

Como são as nuvens para as aves do céu.

Teus becos me traziam as surpresas dos dias

E os temores das noites.

Recebi as bênçãos dos teus respeitáveis velhos

Também as pragas dos que me viam como moleque.

Brinquei os teus loucos de rua

Entre os temores e a algazarra.

Respeitei todos os teus idosos

Também zombei de alguns

Mesmo a custa de alguns cascudos.

Foi numa de tuas humildes ruas

Que vivi um lar

Pleno de bênçãos, amor e fraternidade.

Foi nas tuas humildes  escolas

Que aprendi a grandeza da dedicação

E a importância da coletividade.

Foi sob teus sol e lua

Que vivi os meus primeiros amores

E amarguei minhas primeiras rejeições.

Hoje me debruço nas janelas da tua decadência

De onde assisto falaciosas promessas.

Mas oro todas as noites e todos os dias

Para que renasças das cinzas

E te vejo em meus sonhos

Mergulhada em abundantes alegrias.

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

LÁGRIMAS DIVINAS

 


Chegará o dia

Em que novamente ganharemos as ruas

Sem o bafo da morte

A nos causar os calafrios do medo.

Nesse e nos demais gloriosos dias

Espero que nos olhemos

Como nunca antes nos olhamos.

Espero que sintamos pelo outro

O que nunca antes havíamos sentido.

E que não apenas a dor

 Mas também o amor

Sejam compartilhados de forma natural

Como se fossem bens comuns a estreitar todos os laços.

E se assim for

Se for assim que pretendamos caminhar

Se for assim que pretendamos trilhar nossos infinitos caminhos

Até mesmo ELE

Na sua eterna impassibilidade

Deixará verter do céu sobre nossas cabeças

Algumas lágrimas divinas.

 

 

domingo, 12 de maio de 2019

OS OLHOS DELA

                  A dona Hilda - minha mãe - "in memoriam")

Ela tinha nos olhos a sagacidade
De quem percebe o perigo
E a temperança
De quem sabe como vencê-lo.
Eram frios
Quando me censurava as faltas
Mas piedosos ao extremo
No momento seguinte do perdão.
Via-os apreensivos
Quando das minhas investidas
E jubilosos quando das minhas vitórias.
E quando o mundo me presenteia as angústias
Não são minhas apenas as lágrimas
Que vertem dos meus próprios olhos.
E quando olho o horizonte
O mar, as flores do campo
Enfim, as belezas desse mundo de Deus.
Sei com os quais os meus
Aprenderam a admirá-las.
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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

CRIANÇAS DE HOJE



                     Para "Majú", minha bisneta e Théo Antonio, meu afilhado.

                                                                                                                                     
As pequenas crianças de hoje nos espantam,
Pois que não são como as de antes foram.
Trazem já um que de sagacidade que põe longe a inocência
E a pureza daqueloutras.
Olham-nos como já antevissem nossas reações
Às respostas nada inocentes dos seus gestos e movimentos.
Seus sorrisos são fortes e denotam razão e consciência.
Não são apenas aqueles esboços de uma cálida alegria
Como que inconscientes das crianças que ontem fomos.
Pena que no curso de seus desenvolvimentos
Encontrarão um mundo impróprio por nós deturpado.
Um mundo forjado pelos prepotentes adultos que hoje somos
Mercê das tolas crianças que ontem fomos.
Esperança que essas crianças mantenham a firmeza que trazem
Para um futuro que serão deles e que não mais nos servirão.
Esperança que elas consigam forjar um maravilhoso mundo
Para viverem em harmonia com os seus semelhantes.
E de onde estivermos nós
Os que hoje vivemos nessa atribulação inconsequente que criamos
Ficaremos todos felizes,  invejosos  e ansiando voltar.

segunda-feira, 30 de julho de 2018

YONE






Não te escondas  de mim
Por trás dos teus pudores.
Deste frágil véu de flores
Que apenas mais te enfeita

Meu olho de macho te espreita
E minha mente já goza antecipadamente.

Quero calar a tua voz
Com o espanto do aproximar da minha boca
Enquanto minha mão ousada
Alisa tua macia coxa.

Aproxima-te de mim
Dengoso animalzinho.
Deixa que minhas mãos
Alise teus pelos vagarinho.

Deixa deixa deixa.




sábado, 25 de fevereiro de 2017

ESTADO D'ALMA


 

Por de trás dos vidros embaçados

Das janelas do meu calvário

Contemplo um imenso jardim de flores mortas.

Bem no seu centro

Um esquecido e inerte espantalho -

 Já que a maioria dos pássaros o abandonaram -

 Sustenta em um dos seus braços

Um abutre soturno e solitário

Como se a preconizar em breve naquele campo morto

 O lançamento de algum cadáver para o seu pasto.

Lágrimas sem acompanhamento de soluços

Escorrem de meu par de olhos

Entristecidos e atônitos mais que cansados

Pelo lúgubre cenário que adiante se descortina.

O peito em constante arfar

Abriga um coração amargurado apesar de forte.

E uma dor que na dúvida de onde se alojar

Se faz cobertor de todo o corpo e de toda a alma.